Um diálogo sobre a complexidade na vida cotidiana

Autoria: Bianca Erthal, Carol Fernandes e Nath Manso

“A complexidade é uma palavra problema e não uma palavra solução” — Edgar Morin

Antes de mais nada, pedimos licença para entrar no território da complexidade com o compromisso de resistir à tentação em defini-la, conceituá-la, ou resumi-la, no ímpeto de nos tranquilizamos e assim corrermos o risco de nos afastarmos de sua essência, que por si só não cabe nos modos clássicos simplificadores do pensamento. Sim, a palavra complexidade carrega uma pesada carga semântica, mas seu significado é belíssimo e esse sim, tranquiliza: complexo = complexus = o que é tecido junto.

A leitura do livro “Introdução ao pensamento complexo” do sociólogo Edgar Morin nos traz algumas lições sobre como identificar elementos de complexidade ao nosso redor e como interagir com eles, utilizando a complexidade a seu favor, com um olhar para expansão de possibilidades:

  • A complexidade mora nas contradições. A contradição não é um erro, é um diálogo entre aspectos aparentemente divergentes. O objetivo das contradições é nos convidar a atingir camadas mais profundas da realidade, ao conhecimento multidimensional;
  • Não devemos evitar ou temer a contradição ao escolher preferir termos uma visão eufórica do mundo;
  • A complexidade abraça a incompletude, a incerteza, as indeterminações, os fenômenos aleatórios;
  • Um fenômeno com extrema quantidade de interações e interferências entre um número grande de unidades é chamado de sistema complexo;
  • Nossa capacidade de interagir em ambientes complexos é proporcional à nossa capacidade de suportar o tempo do diálogo entre ordem e desordem;
  • Ordem e desordem colaboram entre si para organizar o universo;

Não se surpreenda se esse tema te despertar incômodos ou inquietações. A razão disso é justamente a presença de uma tensão permanente entre querer um saber não fragmentado e ao mesmo tempo reconhecer sua incompletude — “essa tensão animou toda a minha vida”, dizia Morin.

São três os princípios ou características da complexidade:

  • Dialógico — ordem e desordem são necessárias uma a outra, uma suprime a outra, mas ao mesmo tempo colaboram e produzem organização e complexidade. É a ideia de complementaridade no aparente antagonismo
  • Recursão organizacional — somos ao mesmo tempo produtos e produtores (ruptura na ideia linear). Tudo que é produzido volta-se sobre o que produz num ciclo autoconstitutivo
  • Hologramático — a parte está no todo e o todo está na parte (aparente paradoxo)

Este tema está ao nosso redor. Mas como identificá-lo na nossa vida cotidiana e como agir a partir disso, aproveitando toda potência de sua contribuição? Segundo Morin, não precisamos ir muito longe. A complexidade está presente na nossa constituição social e psicológica: são os nossos vários papéis sociais, nossa multiplicidade de identidades e personalidades.

Temos um vasto mundo de aspectos da nossa própria personalidade à nossa disposição para nos relacionarmos. Cabe a nós aceitarmos a complexidade da nossa própria constituição, identificando as necessidades de cada uma delas e negociando internamente, atendendo ou fazendo concessões sobre nosso pedidos.

Quer ver alguns exemplos e situações?

  • Quando amamos e odiamos uma mesma pessoa;
  • Quando de dia não suportamos o cheiro do cigarro, mas socialmente, num bar com amigos, fumamos;
  • Quando não conseguimos ver opções de solução para dilemas e decisões da vida, pois uma parte de nós quer uma coisa e outra parte deseja outra coisa;
  • Quando nos sentimos impotentes e com a sensação de que não há opções suficientes para nos satisfazer — sinal de que precisamos abrir mais camadas de realidade, que estão ocultas
  • Quando percebemos nossa natureza “insignificante” perto do macrocosmo do universo e ao mesmo tempo nossa potência e significância diante de nosso poder de impacto no micro e no macro
  • Afetamos e somos afetados a todo momento pelo meio no qual estamos inseridos, portanto somos cocriadores da vida. Reclamamos do que queremos mudar mas não nos damos conta de que contribuímos para este mesmo cenário se criar
  • Quanto mais energia colocamos para mudar algo, mais ela cresce

Desta forma, para evoluirmos como humanidade devemos caminhar de mãos juntas com a complexidade, tomando-a como parceira, conselheira, abraçar o desafio de suas tensões. Ousamos dizer que somente dessa forma poderemos estar preparados para um conjunto de novas concepções, visões, reflexões e descobertas de novos caminhos que possibilitem a inovação. Sendo assim, o convite é ir da complexidade para cada vez mais complexidade.

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Nathalia Manso — Regeneração interna

Facilitadora, Designer para a Sustentabilidade, amante de Gaia. Ecologia profunda. Ecopsicologia. Regeneração. Liderança Regenerativa.